Quando a "ponta se partiu" deixei de escrever. Agora, que todo o nosso Portugal está já todo partido, lembrei-me de, sem qualquer rigor cronológico, colocar num blogue aquilo que escrevi nos últimos 40 anos, publicado ou não, com ou sem a minha assinatura mas que eu sei, é meu. A PONTA QUE SE PARTIU, também servirá para publicar estados de alma daquilo que, hoje, ouço, vejo e sinto serem responsáveis por Portugal continuar partido
domingo, 1 de abril de 2012
UMA VOLTA PELO CONCELHO (5.e 6.)
5. CALDAS DA FELGUEIRA
Não foi difícil convencermos os nossos familiares a irem comer o porco no espeto. Fomos todos. Isto quer dizer que marcamos mesa para cerca de trinta pessoas.
São oito da manhã. O Padre Nuno viera rezar missa à Capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso e tínhamos combinado ir todos assistir à missa e visitar esta capela que, apesar de estar a necessitar urgentemente de obras interiores é o orgulho da população local.
- De que época é? - perguntei
- Do século XIX - respondeu o Tiago. - Reparem, aqui por cima da porta.
No lintel pode ler-se: ESTA CAPELLA MANDOU FAZER À SUA CUSTA O PADRE JOZÉ IGNÁCIO DE OLIVEIRA ANNO DE 1818.
- E quem era este sacerdote?
- Como sabem, a partir dos finais do século XVIII as Caldas da Felgueira, então conhecidas por Caldas de Vale de Madeiros, começaram a ser procuradas devido à qualidade das águas termais. O Padre Inácio Oliveira desempenhou um papel importante no desenvolvimento da terra e, assim, resolveu fazer esta capela que, como vêem, está entre casas particulares, o que nos pode fazer pensar que era particular e só depois foi aberta ao público devoto.
- Esta cruz sobre a porta é muito perfeita - disse alguém.
- A capela toda é muito curiosa. Se repararem a sacristia está incrustada na habitação vizinha. E o altar e o tecto? Merecem ser restaurados…
Tínhamos deixado as bicicletas no jardim do Recanto da Ribeira e, após a missa, dirigimo-nos para lá onde o Sr. Jorge e a D.ª Rosa nos serviram um pequeno-almoço nas mesas sobre a Ribeira da Pantanha.
- É tão bom ouvir a água a correr – disse a Kika.
- Eu gosto de jantar aqui. Comer o arroz de pato feito pelo Sr. Jorge, ouvir a água a correr, subir às laranjeiras …
- E não se pode ir ao ribeiro?
- Pode. Vamos descer por aquelas escadas.
Descemos até ao ribeiro. Percorremos um pouco da margem direita e atravessamos para a margem esquerda. Daí fomos por um caminho, entre casas, e acabamos por regressar à estrada. Atravessámos a ponte e dirigimo-nos novamente para as bicicletas.
Arrancamos pela Rua Dr. Aurélio Gonçalves, passámos pelo ringue de patinagem e pelo Posto de Turismo e seguimos em direcção à ponte em pedra que liga o Concelho de Nelas ao Concelho de Oliveira do Hospital e o Distrito de Viseu ao Distrito de Coimbra.
Antes da ponte, à direita, junto a uma mesa e bancos de pedra estacionámos as bicicletas e aproximámo-nos de um belíssimo miradouro. Lá ao fundo a água do rio Mondego corria por baixo da ponte em direcção ao açude.
- Sabem quando foi feita esta ponte? - perguntou o Tiago.
- Por acaso sei. Estive ontem com o Senhor Armando Monteiro que me disse que foi no final do século XIX e que demorou cerca de quatro anos a fazer.
- Estás bem informado. Vamos agora entrar em propriedade privada mas estejam descansados que eu pedi ao Dr. Adriano.
- Então de quem é isto?
- Isto é propriedade do Grande Hotel que em Maio de 2007 foi adquirido pelo Balneário. Vamos visitar a pista de manutenção do Grande Hotel.
Parecia que tínhamos entrado noutro mundo. Uma pista com um piso extremamente bem tratado com placas indicativas e os pássaros a chilrear nas árvores frondosas que enchem aquele parque.
Caminhamos até uma pequena queda de água.
- Sabem de onde vem esta água? Da ribeira da Pantanha que vai desaguar ali, no Mondego.
Ao lado, uma banheira antiga que deve ter pertencido ao Balneário serve de manjedoura para os garranos que já vislumbráramos lá em cima, nos estábulos. Passámos por eles, espreitamos os campos de ténis e caminhamos, já fora do hotel, em direcção à Capela de Nossa Senhora de Fátima.
- Vou contar-vos uma estória desta capela -, diz a Kika.
- Tão recente e já tem história – respondi.
- A estória não tem a ver com a idade e foi o meu avô que ma contou. A capela foi mandada construir por um senhor de nome Marques, que era um grande industrial e que, dentre outras coisas, era proprietário do Grande Hotel da Felgueira e da Confeitaria Suíssa, no Rossio em Lisboa. Depois de construí-la, ofereceu-a à Diocese com a condição de que, se o povo não a preservasse, voltaria para a propriedade do Hotel.
Mais tarde o Hotel foi comprado por um senhor de nome Oliveira que, pediu uma licença para fazer um muro à volta da Capela. A Câmara, talvez por não saber do acordo assinado com a diocese, autorizou.
Na Felgueira tocou o sino a rebate, a população afluiu à capela, destruiu a vedação que começava a ser feita e ainda deixou um bilhete de aviso ao Senhor Oliveira ameaçando-o de que se tentasse novamente também seria destruído. E a capela aqui está. É do povo e para o povo e não foi vedada.
E agora, vamos buscar as bicicletas.
Caminhámos em direcção à ponte.
- Ainda temos tempo de ir ver as águas frias? Perguntou o Eurico
- O que é isso?
- É um sitio ali em baixo, junto ao rio e que o meu pai me mostrou. É num instante.
- Então vamos lá. Mas tem de ser rápido. São horas do almoço e o porco já deve estar quase pronto.
Descemos por uma rampa em direcção ao Rio Mondego e começamos a ver aquilo que pareciam ameias dum castelo.
- É um castelo?
- Não. Quando lá chegares vês o que é…
Ao fundo, sentimos que as águas do rio corriam em direcção ao açude e, à esquerda, um campo relvado, com várias árvores e bancos de jardim indicavam-nos um local que parecia paradisíaco. Dirigimo-nos para lá. Uma pequena casa em pedra com um gradeamento bem trabalhado numas janelas de matriz neo-árabe.
- Então explica…
- Este edifício é dos princípios românticos oitocentistas…
- Portanto, século XIX?
- Sim, chamam a isto Buvette. Há outra mais recente na entrada do Balneário, mas até aos anos 50 do século passado, havia aqui uma empregada das Termas que dava copos de água aos curistas.
- E agora?
- Até há pouco tempo esteve abandonada mas, a Junta de Freguesia e a Companhia das Águas recuperaram este espaço. Lá dentro, como vêem há uma nascente de água sulfurosa. É uma construção revivalista coroada com merlões piramidais recortados em escada.
- Vamos almoçar?
Começámos a correr até ás bicicletas e seguimos em grande pedalada para o Sr. Eugénio, onde a família já esperava por nós.
- E se hoje à tarde fossemos visitar o Grande Hotel? – perguntei.
- Depois deste almoço? Quero é ir dormir uma sesta - diz o André.
- E vais, mas podemos ir tomar café ao Hotel e depois ir descansar para a piscina…
- E ao lanche dar um mergulho - gritou entusiasmado o Eurico.
E assim foi. Acabámos de almoçar e dirigimo-nos a pé pelos jardins e parque das traseiras do Hotel e entrámos por uma porta semiaberta.
Percorremos o corredor, passando por uma placa que anunciava uma exposição de pintura de Helena Abreu e chegámos ao hall do Hotel. À nossa esquerda, na majestosa sala de jantar o chefe Pedro ajudava a arrumar e a preparar as mesas para o jantar. Iria haver Jantar Bufete com música ao vivo. À direita, as escadas para o primeiro andar e a porta que dá acesso ao salão, vendo-se ao fundo o balcão do bar, para onde nos dirigimos.
- De que ano é este Hotel? - perguntou o André.
- O Grande Hotel ficou completamente pronto em 1890. O edifício foi projectado pelo Arquitecto António Jorge Freire e, conforme se pode ver nesta fotografia aérea, tem a forma de um H…
- E ali é a piscina onde vamos tomar banho?
- Sim. Do lado do Hotel onde está a piscina era o casino…
- Casino? Tinha Casino? - perguntaram em uníssono.
- Tinha Casino, Teatro e Cinema. Na altura o Hotel chamava-se Grande Hotel Club das Caldas da Felgueira.
Voltámos a percorrer o salão e, virando à direita saímos pela porta de vidro que dá acesso ao parque frontal do Hotel, dirigindo-nos para o muro em pedra que dá para a piscina.
- Lá em baixo temos a piscina com prancha olímpica e o bar…
- Não imaginava que fosse assim…
- Como vêem tem uma arquitectura neoclássica, elegante e harmoniosa e está bem enquadrada num espaço generoso e paisagísticamente bem emoldurada.
Percorremos o espaço que nos separa das escadas para a piscina. Com muito respeito pelo espaço e pelos hóspedes que repousavam em redor da piscina dirigimo-nos, pelas traseiras do insuflado que serve para serviços de casamentos e outros banquetes, ao bar da piscina. Enquanto alguns se dirigiram para o balneário a fim de vestir os fatos de banho, outros foram directamente para a zona do bar onde há uma mesa de matraquilhos que fez a delícia de alguns.
- Zito. Que fazes aqui? – perguntei.
Zito é um colega de turma em Coimbra e que eu não imaginava encontrar por aqui.
- Estou cá com os meus pais.
- E que tens feito?
- Quase nada. Amanhã vou passar o dia a casa dos meus tios em Moreira mas, antes, vamos almoçar a Carvalhal Redondo. Queres vir connosco?
6. CARVALHAL REDONDO
Desci a rampa que me separava da entrada do Restaurante Valério. Abri a porta. O cheiro do refogado que vinha da cozinha, misturado com o aroma inconfundível dos enchidos Beirãos, recorda-me o quão bem se come e se petisca a meio da tarde neste pequeno restaurante da Felgueira.
- Bom dia.
- Bom dia. Estou à espera de um amigo e dos pais mas vou tomar um café.
- Quer aqui ou lá fora?
- Se não se importa vou lá para fora. Gosto muito de estar na vossa tenda.
Tinha acabado de me sentar quando chegaram o Zito, os pais do Zito e a irmã.
- Aqui está-se bem mas se queremos aproveitar a manhã é tomar café e andar, diz a D.ª Noémia, mãe do Zito.
E assim foi. Arrancámos para Nelas. Aí, circundámos a Fonte Luminosa, passámos pelas bombas de gasolina e, no S. Miguel, mais conhecido pela Mata das Alminhas, cortámos á direita. Alguns jovens, aproveitando as primeiras horas da manhã jogavam ténis nos courts aí instalados. Atravessámos a circular externa e seguimos por uma estrada municipal em direcção a Carvalhal Redondo.
Já dentro de Carvalhal, cortámos para o interior, passámos pelo Cruzeiro, talvez o mais elaborado do Concelho e que tem a particularidade de enquadrar um nicho para albergar uma escultura. Ruelas empedradas e estreitas constituem o interior da freguesia, emolduradas por casas antigas de granito.
Parámos no largo da feira e dirigimo-nos para a capela da Senhora do Viso.
- Esta capela pertence à Irmandade de Nossa Senhora do Viso mas nada tem a ver com a Irmandade e Santuário com o mesmo nome que existe em Senhorim - disse eu – recordando a visita que há bem pouco tempo tinha feito a essa freguesia.
- De que século é esta Capela? - perguntou Zito Fernandes
- Antes de vir para cá estive a ler uma brochura que dizia ser do século XVII mas, poderá ser mais antiga - respondeu Anita, irmã do Zito.
- Sobre isso, li uma história interessante - recordou o Sr. Fernandes.
- Uma estória?
- Bem. Não é uma estória. Digamos que é mesmo História. Em 1755, aquando do terramoto, apesar de estar longe de Lisboa, a capela ficou bastante danificada pelo que teve de ser reconstruída ficando pronta em 1762. Aquela torre do lado esquerdo é muito mais moderna.
- Pois a mim contaram-me mesmo uma estória, melhor uma brincadeira que os mais velhos não gostaram mas que eu acho que deve ter tido graça - disse eu.
- Conta -gritaram a Anita e o Zito.
- De noite um grupo de rapazes roubou um burro e colocou-o junto da torre. Amarraram-lhe uma corda ao pescoço e, a outra ponta, ao sino. Colocaram um fardo de palha no chão. Então, sempre que o burro baixava a cabeça para comer, o sino tocava e esteve assim toda a noite.
- Bem, parece uma brincadeira de mau gosto mas até em graça.
Avançámos para a entrada da capela. Mal entrámos, deparámos com um coro sustentado por colunas toscanas. Abóbadas de berço pintadas cobrem o corpo da capela e a capela-mor. Na parede esquerda encontra-se o púlpito. Mais adiante uma espécie de pequena capela possui uma imagem de roca de Cristo Crucificada e Nossa Senhora das Dores. Olhamos para os três altares que são dignos de serem visitados.
- Qual é o estilo destes altares? - perguntou Anita.
- Isso eu sei – respondi. - Estilo Rococó e foram executados por volta de 1779. A imagem da padroeira é esculpida em pedra de Ançã e representa a Virgem com o menino ao colo a brincar com um ramo de flores e é do século XV/XVI.
Visitámos o resto da Capela onde as imagens recentes de Nossa Senhora de Lourdes e de Nossa Senhora dos Navegantes se misturam com imagens em madeira do século XVIII de S José e de S. Joaquim.
Regressámos ao carro, dando por bem empregue o tempo que passamos nesta capela.
- E agora? - perguntou o Sr. Fernandes.
- Ali em frente é a Junta de Freguesia, o Posto Médico e a Associação Recreativa e cultural “Os Carvalhenses”
- Associação Cultural?
- Sim. No Concelho há Associações em todas as Freguesias. Em Carvalhal até existe a Sociedade Musical Stº António que tem uma banda de muito boa qualidade - informei eu. - Agora podemos ir a pé pela Rua do Futuro e vamos visitar a Igreja e a Casa do Torreão.
Dirigimo-nos primeiro à Rua da Fonte. Lá ao fundo, avistámos a casa do Torreão. Uma enorme casa com dois andares com uma elegante escadaria em pedra do lado esquerdo da ala principal leva-nos ao primeiro piso. Por cima, oito janelas completam a frontaria da casa. No telhado, o Torreão que dá o nome à casa.
- Esta casa é particular? - perguntou D. Noémia
- Acho que sim. Sei que foi vendida. Vi isso no site de Carvalhal Redondo. Diz lá que o neto do antigo dono não tinha dinheiro para manter a casa e que a vendeu a alguém que está a pensar investir na área do turismo – respondi.
- E olha! Uma pousada nesta casa ficava espectacular - comentou o pai do Zito.
Seguimos para a Rua da Igreja. O orago da Freguesia é S. João. Daí que, a Igreja Paroquial se chame de S. João Evangelista.
- De que época é? - questiona Anita.
- As informações são poucas mas pensa-se que será dos finais do período medieval. Sabem, durante estes anos sofreu muitas modificações…
- Acho piada aos dois sinos…
- Há várias com mais do que um sino, por exemplo a que vamos visitar de tarde a Moreira mas, realmente, a estética destes é diferente.
- Vale a pena ir lá dentro?
- Vale sempre a pena.
O interior tem o corpo e a capela-mor com coberturas de madeira. Na parede do lado direito encontramos as imagens de Santo António e S. Sebastião. Na capela-mor, extremamente simples, vemos na parede ao fundo Cristo crucificado, ladeado por Nossa Senhora e S. João Evangelista.
Saímos da Igreja. Dirigimo-nos a pé para o largo da feira onde tínhamos deixado o carro. Já debaixo das árvores, um grupo de ciclistas preparava-se para arrancar em direcção à Associação.
- Também há cá ciclismo? - Perguntou o Zito.
- Cicloturismo. Estão ligados à Associação e fazem muitos passeios. O grupo “Aventura 100 Atalhos” também fazem caminhadas. Ainda há pouco tempo os meus primos foram com eles a uma caminhada no Tua…
- Só de falar em caminhadas e ver bicicletas, já estou com apetite. Vamos ter com os teus tios ao restaurante…
Entrámos no carro e dirigimo-nos para a entrada de Carvalhal. Estacionámos o carro junto ao solar. Em frente estava o Restaurante-Hospedaria Sr.ª do Viso.
Um cabrito assado com batata no forno de lenha, à moda beirã e torresmos na púcara com feijão cozido em panela de ferro esperavam por nós. Fomos para a mesa, onde os mais velhos acompanharam uma bola de vinho de alhos ainda quente, como não podia deixar de ser, com Vinho do Dão. Excelente como sempre. Vale a pena vir almoçar ao Viso.
- Querem vir ver os jardins? - Perguntei à Anita e ao Zito.
Tínhamos acabado de almoçar e enquanto os pais e os tios tomavam café, descemos até às traseiras e fomos ver o local onde se realizam os casamentos. Um sistema de água percorrendo todo o jardim com quedas de àgua e repuxos mantiveram-nos entusiasmados e entretidos e curiosos até sermos chamados para ir em direcção a Moreira.
(Publicado em 2007)
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