quarta-feira, 18 de abril de 2012

Este artigo, VALE A PENA LER:

António Lobo Antunes

«Nação valente e imortal»

Agora sol na rua a fim de me melhorar a disposição, me reconciliar com a vida. Passa uma senhora de saco de compras: não estamos assim tão mal, ainda compramos coisas, que injusto tanta queixa, tanto lamento. Isto é internacional, meu caro, internacional e nós, estúpidos, culpamos logo os governos. Quem nos dá este solzinho, quem é? E de graça. Eles a trabalharem para nós, a trabalharem, a trabalharem e a gente, mal agradecidos, protestamos.
Deixam de ser ministros e a sua vida um horror, suportado em estóico silêncio. Veja-se, por exemplo, o senhor Mexia, o senhor Dias Loureiro, o senhor Jorge Coelho, coitados. Não há um único que não esteja na franja da miséria. Um único. Mais aqueles rapazes generosos, que, não sendo ministros, deram o litro pelo País e só por orgulho não estendem a mão à caridade. O senhor Rui Pedro Soares, os senhores Penedos pai e filho, que isto da bondade as vezes é hereditário, dúzias deles. Tenham o sentido da realidade, portugueses, sejam gratos, sejam honestos, reconheçam o que eles sofreram, o que sofrem. Uns sacrificados, uns Cristos, que pecado feio, a ingratidão. O senhor Vale e Azevedo, outro santo, bem o exprimiu em Londres. O senhor Carlos Cruz, outro santo, bem o explicou em livros. E nós, por pura maldade, teimamos em não entender. Claro que há povos ainda piores do que o nosso: os islandeses, por exemplo, que se atrevem a meter os beneméritos em tribunal. Pelo menos nesse ponto, vá lá, sobra-nos um resto de humanidade, de respeito. Um pozinho de consideração por almas eleitas, que Deus acolherá decerto, com especial ternura, na amplidão imensa do Seu seio. Já o estou a ver
- Senta-te aqui ao meu lado ó Loureiro
- Senta-te aqui ao meu lado ó Duarte Lima
- Senta-te aqui ao meu lado ó Azevedo que é o mínimo que se pode fazer por esses Padres Américos, pela nossa interminável lista de bem-aventurados, banqueiros, coitadinhos, gestores que o céu lhes dê saúde e boa sorte e demais penitentes de coração puro, espíritos de eleição, seguidores escrupulosos do Evangelho. E com a bandeirinha nacional na lapela, os patriotas, e com a arraia miúda no coração. E melhoram-nos obrigando-nos a sacrifícios purificadores, aproximando-nos dos banquetes de bem-aventuranças da Eternidade.
As empresas fecham, os desempregados aumentam, os impostos crescem, penhoram casas, automóveis, o ar que respiramos e a maltosa incapaz de enxergar a capacidade purificadora destas medidas. Reformas ridículas, ordenados mínimos irrisórios, subsídios de cacaracá? Talvez. Mas passaremos sem dificuldade o buraco da agulha enquanto os Loureiros todos abdicam, por amor ao próximo, de uma Eternidade feliz. A transcendência deste acto dá-me vontade de ajoelhar à sua frente. Dá-me vontade? Ajoelho à sua frente indigno de lhes desapertar as correias dos sapatos.
Vale e Azevedo para os Jerónimos, já!
Loureiro para o Panteão já!
Jorge Coelho para o Mosteiro de Alcobaça, já!
Sócrates para a Torre de Belém, já! A Torre de Belém não, que é tão feia. Para a Batalha.
Fora com o Soldado Desconhecido, o Gama, o Herculano, as criaturas de pacotilha com que os livros de História nos enganaram.
Que o Dia de Camões passe a chamar-se Dia de Armando Vara. Haja sentido das proporções, haja espírito de medida, haja respeito. Estátuas equestres para todos, veneração nacional. Esta mania tacanha de perseguir o senhor Oliveira e Costa: libertem-no. Esta pouca vergonha contra os poucos que estão presos, os quase nenhuns que estão presos como provou o senhor Vale e Azevedo, como provou o senhor Carlos Cruz, hedionda perseguição pessoal com fins inconfessáveis. Admitam-no. E voltem a pôr o senhor Dias Loureiro no Conselho de Estado, de onde o obrigaram, por maldade e inveja, a sair. Quero o senhor Mexia no Terreiro do Paço, no lugar D. José que, aliás, era um pateta. Quero outro mártir qualquer, tanto faz, no lugar do Marquês de Pombal, esse tirano. Acabem com a pouca vergonha dos Sindicatos. Acabem com as manifestações, as greves, os protestos, por favor deixem de pecar. Como pedia o doutor João das Regras, olhai, olhai bem, mas vêde. E tereis mais fominha e, em consequência, mais Paraíso. Agradeçam este solzinho. Agradeçam a Linha Branca. Agradeçam a sopa e a peçazita de fruta do jantar. Abaixo o Bem-Estar.
Vocês falam em crise mas as actrizes das telenovelas continuam a aumentar o peito: onde é que está a crise, então? Não gostam de olhar aquelas generosas abundâncias que uns violadores de sepulturas, com a alcunha de cirurgiões plásticos, vos oferecem ao olhinho guloso? Não comem carne mas podem comer lábios da grossura de bifes do lombo e transformar as caras das mulheres em tenebrosas máscaras de Carnaval.
Para isso já há dinheiro, não é? E vocês a queixarem-se sem vergonha, e vocês cartazes, cortejos, berros. Proíbam-se os lamentos injustos. Não se vendem livros? Mentira. O senhor Rodrigo dos Santos vende e, enquanto vender, o nível da nossa cultura ultrapassa, sem dificuldade, a Academia Francesa. Que queremos? Temos peitos, lábios, literatura e os ministros e os ex-ministros a tomarem conta disto.
Sinceramente, sejamos justos, a que mais se pode aspirar? O resto são coisas insignificantes: desemprego, preços a dispararem, não haver com que pagar ao médico e à farmácia, ninharias. Como é que ainda sobram criaturas com a desfaçatez de protestarem? Da mesma forma que os processos importantes em tribunal a indignação há-de, fatalmente, de prescrever. E, magrinhos, magrinhos mas com peitos de litro e beijando-nos uns aos outros com os bifes das bocas seremos, como é nossa obrigação, felizes.

in Revista Visão
05.04.2012

domingo, 15 de abril de 2012

Mandaram-me este email e pediram para o divulgar
Apesar de pensar que por este meio, e porque a pirâmide politica está invertida, nada vai resultar aqui fica satisfeito o pedido de divulgação que me solicitaram.

Peço a cada destinatário deste e-mail que o envie a um máximo de pessoas da sua lista de contatos, e por sua vez, peça a cada um deles que faça o mesmo.


Em três dias, a maioria das pessoas neste país lerá esta mensagem. Esta é uma ideia que realmente deve ser considerada por todos os cidadãos.

Alteração da Constituição de Portugal para 2012 para poder atender o seguinte, que é da mais elementar justiça:


1. O deputado será pago apenas durante o seu mandato e não terá reforma proveniente exclusivamente do seu mandato.
2. O deputado vai contribuir para a Segurança Social de maneira igual aos restantes cidadãos. Todos os deputados (Passado, Presente e Futuro) passarão para o atual sistema de Segurança Social imediatamente. O deputado irá participar nos benefícios do regime da Segurança Social exatamente como todos os outros cidadãos. O fundo de pensões não pode ser usado para qualquer outra finalidade e não haverá privilégios exclusivos.
3. O deputado deve pagar o seu plano de reforma, como todos os portugueses e da mesma maneira.
4. O deputado deixará de votar o seu próprio aumento salarial.
5. O deputado vai deixar o seu seguro de saúde atual e participar no mesmo sistema de saúde como todos os outros cidadãos portugueses.
6. O deputado também deve estar sujeito às mesmas leis que o resto dos portugueses
7. Servir no Parlamento é uma honra, não uma carreira. Os deputados devem cumprir os seus mandatos (não mais de dois mandatos), e então irem para casa ou procurar outro emprego.

O tempo para esta alteração à Constituição é AGORA. Forcemos os nossos políticos a fazerem uma revisão constitucional. Assim é como se pode CORRIGIR ESTE ABUSO INSUPORTÁVEL DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Se você concorda com o acima exposto, ENTÃO VÁ PARA A FRENTE. Se não, PODE DESCARTÁ-LO.

Você é um dos meus contatos. Por favor, mantenha ISTO A CIRCULAR.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

quinta-feira, 5 de abril de 2012

I REGATA INTERNACIONAL VARANDA DO DOURO

Como prometemos, iremos dizer algo sobre a finalidade da Associação organizadora da I REGATA INTERNACIONAL VARANDA DO DOURO que, com esta realização deu mais um passo importante no seu principal objectivo que é o de desenvolver o turismo em Caldas de Aregos. Este Club Amador de Caça e Pesca tem pouco tempo de existência. Foi inaugurado em Julho de 81 com um torneio de Tiro aos Pratos e um Concurso de Pesca nos dois primeiros meses, dois acontecimentos espectaculares que animaram os elementos que constituem esse Clube, dado o sucesso obtido. Além das modalidades referidas, o APCA tem em vista arrancar com outras actividades como a canoagem, natação e remo tendo para isso propostas de ajuda de diversas Organizações que vão permitir que as suas aspirações se concretizem. Entre elas está a Mike Davis que vai instalar em Aregos uma escola de instrução, o IND de Lamego que irá ceder instrutores da Escola de Natação e o Clube Fluvial Portuense que também prometeu dar apoio na Canoagem. Esperamos que todas estas importantes colaborações se venham a concretizar e que, a construção dum Campo de Tiro, dum Campo de Ténis e de um Mini-Golfe, que também está dentro dos planos do Clube, se tornem realidade porque pensamos que tudo isto engrandecerá Caldas de Argos e dará novo alento a todos quantos estão empenhados no seu desenvolvimento de que se destaca a actual Direcção constituída por: Presidente da Assembleia Geral Engº Adérito Moreira Presidente da Direcção Prof. José Soares Presidente do Conselho Fiscal Engº António Faria Comunicação Social Jorge Esteves que, nos forneceu todas estas informações e que, já por várias vezes focou no nosso semanário muito do que é necessário fazer e mudar em Caldas de Aregos para que esta região se torne naquilo que realmente merece ser com desenvolvimento e divulgação não só em Portugal como também noutros paises. Com a realização desta Regata, Aregos foi alvo da atenção de muitas pessoas que estiveram ligadas às provas(entre 200 e 250 elementos) e que ali permaneceram por dois dias (Jornal Miradouro de 16/Out/1981-resumo)

I REGATA INTERNACIONAL "VARANDA DO DOURO"

Como prometemos, iremos dizer algo sobre a finalidade da Associação organizadora da I REGATA INTERNACIONAL VARANDA DO DOURO que, com esta realização deu mais um passo importante no seu principal objectivo que é o de desenvolver o turismo em Caldas de Aregos. Este Club Amador de Caça e Pesca tem pouco tempo de existência. Foi inaugurado em Julho de 81 com um torneio de Tiro aos Pratos e um Concurso de Pesca nos dois primeiros meses, dois acontecimentos espectaculares que animaram os elementos que constituem esse Clube, dado o sucesso obtido. Além das modalidades referidas, o APCA tem em vista arrancar com outras actividades como a canoagem, natação e remo tendo para isso propostas de ajuda de diversas Organizações que vão permitir que as suas aspirações se concretizem. Entre elas está a Mike Davis que vai instalar em Aregos uma escola de instrução, o IND de Lamego que irá ceder instrutores da Escola de Natação e o Clube Fluvial Portuense que também prometeu dar apoio na Canoagem. Esperamos que todas estas importantes colaborações se venham a concretizar e que, a construção dum Campo de Tiro, dum Campo de Ténis e de um Mini-Golfe, que também está dentro dos planos do Clube, se tornem realidade porque pensamos que tudo isto engrandecerá Caldas de Argos e dará novo alento a todos quantos estão empenhados no seu desenvolvimento de que se destaca a actual Direcção constituída por: Presidente da Assembleia Geral Engº Adérito Moreira Presidente da Direcção Prof. José Soares Presidente do Conselho Fiscal Engº António Faria Comunicação Social Jorge Esteves que, nos forneceu todas estas informações e que, já por várias vezes focou no nosso semanário muito do que é necessário fazer e mudar em Caldas de Aregos para que esta região se torne naquilo que realmente merece ser com desenvolvimento e divulgação não só em Portugal como também noutros paises. Com a realização desta Regata, Aregos foi alvo da atenção de muitas pessoas que estiveram ligadas às provas(entre 200 e 250 elementos) e que ali permaneceram por dois dias (Jornal Miradouro de 16/Out/1981-resumo)

REGATAS VARANDA DO DOURO

Numa realização do APCA Caldas de Aregos e integrada nas Festas da Labareda, realizou-se nas águas do Rio Douro, as VII REGATAS VARANDA DO DOURO. As velas dos cerca de 50 velejadores presentes, levaram desta forma, a cor e alegria àquela região de uma beleza impar e natural, banhada pelo Rio Douro. Após dois dias de provas, as classificações finais foram as seguintes:
 LASER
1º Alfredo Santos                                SCP/DIERA
2º Serafim Gonçalves                         SCP/DIERA
3º António Rosa                                   NAVAL POVOENSE

 VAURIEN
1º Paulo Palha/João Palha                   CVA
2º F. Moura/A. Moura                          SCP/DIERA

 FIREBALL
1º Mário Monteiro/Cristina Moutunho

 WINDSURF DIV.I
1º Rui Garcia                                          APSV
2º Fernando Barbedo                             APCA

WINDSURF DIV.II
 1º Alex Himmel                                     SCP

 OPTIMIST
1º Miguel Leite                                         SCP/LASSIE
2º João Moura                                           SCP/JOFIL
3º Joaquim Moreira                                  NAVAL DE LEÇA/LONGA VIDA

CAMPEONATO DO DOURO
CLASSIFICAÇÃO GERAL

LASER
1º Alfredo Santos

OPTIMIST
1º Joaquim Moreira

(DIÁRIO DE COIMBRA -31/OUT/1990)

CASTELO de PAIVA

Uma viagem pela margem esquerda do Rio Douro

http://youtu.be/9evdGEkZM4w

terça-feira, 3 de abril de 2012

UMA VOLTA PELO CONCELHO (7)


7. MOREIRA

Que querem ver primeiro? - Perguntou o irmão do Senhor Fernandes.
- Queremos ver tudo, respondemos em coro.
- Então vamos começar por ver Prazias…
- Prazias?
- Sim. É em Moreira de Cima. Há vestígios de uma Estação Romana. Provavelmente havia caminhos vicinais, ou estradas classificadas de secundárias. Encontrámos também uma sepultura antropomórfica de adulto, com cabeceira em arco de volta perfeita.
- Havia um conjunto de três mas, apenas resta uma – disse o tio Fernandes com algum desgosto.
- Destroem tudo… E agora?
- Agora vamos em direcção da Ribeira da Calva. Aí temos duas sepulturas do período Medieval Cristão, na encosta norte do Ribeiro, que têm a cabeceira em arco peraltado. Este local chama-se Pêro do Pato.
- E há mais? - Perguntei.
- Há mais um local que vamos visitar em seguida. Foi descoberto pelos Arqueólogos Pedro Rosário e Vítor Dias em 1998 quando acompanhavam a implantação da linha de um gasoduto -explicou o tio do Zito enquanto seguíamos para Vale do Salgueiro.
Trata-se de uma necrópole constituída por três sepulturas antropomórficas sendo uma delas de criança.
- É interessante este conjunto -disse eu.
- Porquê? - Perguntou Zito.
- No território espanhol é que são vulgares os casos de distinção etária nos enterramentos…
- E…
- …E podemos estar na presença de um “panteão familiar”.
- Já vi que sabes disto. Tio, para onde vamos agora? -perguntou Anita.
- Vamos regressar ao centro de Moreira e visitar a igreja.
Chegámos ao largo da Associação de Moreira. Um parque de jogos e um espaço circundante bem tratado e agradável, com mesas e bancos em madeira, semelhantes ao que já tínhamos visto naquela ponte estreita à entrada de Moreira, mostram uma freguesia simpática e bem tratada.
Estacionámos. Passámos pela Casa do Forno e dirigimo-nos, rua abaixo, para a capela. Uma rua com o nome de Jambujeira e outra com o nome de Videira chamou a nossa atenção. A Capela de S. Silvestre estava à nossa direita.
- De que época é esta capela? - Perguntou o Sr. Fernandes.
- As origens são medievais mas quase que nada resta desse tempo. Aqui na fachada nota-se que houve uma intervenção no Barroco. Na porta principal é imponente a concha central em pedra. A torre sineira também é única no concelho. Deve ser, como o portal da fachada, do período barroco.
- Mas Moreira é muito antiga…
- É. A Freguesia tem o seu impulso no tempo do Conde Sisnando, isto é, século XI. Em 1258 ainda pertencia ao extinto Concelho de Senhorim. Podemos encontrar lagaretas ou, como o povo lhes chama, lagares dos mouros em Paraduça…
- E, sendo tão antiga, havia aqui certamente gente importante – sugeriu D.ª Noémia.
- Sim. De Moreira de Baixo saíram dois Bispos de Beja, D. Manuel e D. António Pires Azevedo Loureiro que estiveram envolvidos no Cisma de 1832-1842.
- Vamos voltar ao carro e vamos dar um saltinho a Pisão e depois vamos voltar por Nelas – disse o Tio Fernandes.
Passados alguns minutos estávamos no Largo da Associação de Pisão, seguimos até ao cruzamento para Aguieira onde fizemos inversão de marcha, apreciando algumas casa de pedra, reconhecidamente bem antigas, e seguimos em direcção a Moreira, Carvalhal Redondo, deixando a estrada para Canas à direita e aproximando-nos rapidamente da estrada Nacional 231 que liga Nelas a Viseu.
- Aqui é Algeraz. Ali ao fundo já se vê a rotunda com o Monumento ao Terceiro Milénio, disse eu com ar de entendido.
- Exactamente, disse o Tio Fernandes. E sabem onde vamos agora?
- Eu estou cheio de sede – disse o pai do Zito.
- Isso mesmo. Vamos parar na Vinícola de Nelas onde esperam por nós para uma visita. Quando pararmos, vamos primeiro à estrada para ver os painéis de azulejos.
- Que giros. São com motivos ligados às vindimas – disse Anita.
Voltámos para dentro. Entrámos para a recepção onde um funcionário esperava por nós para visitar as instalações. Percorremos todo o espaço, visitando os diversos locais da produção do vinho até ao local de armazenamento com capacidade para 4 000 000 litros.
E o nosso guia foi dizendo:
- A Vinícola de Nelas foi fundada em 1939. Em 1990 construiu um novo centro de vinificação, com uma moderna adega, provavelmente uma das maiores da região…
- E estes pipos para que servem? - Perguntei.
O nosso guia continuou:
- Estes cascos servem para estagiar o vinho que foi escolhido para produzir as Reservas e Garrafeiras.
- E têm ganho muitos prémios?
- Muitíssimos. Realço o Escanção Branco 1992 que conquistou a medalha de ouro no Chalange Internacional du Vin. Vamos passar para aquele edifício onde vão saborear os nossos melhores vinhos.
- E que edifício é esse?
- Chamamos-lhe Quinta das Estrémuas. É um espaço com cerca de 2 000 m2, metade do qual ao ar livre com capacidade para cerca de 250 pessoas. Aqui imperam os motivos vínicos e é o local ideal para todo o tipo de festas, incluindo congressos, reuniões de empresas, etc.
- Isto é muito típico…
- Realmente, os velhos tonéis, os portões em ferro trabalhado com motivos vinícolas e as paredes em granito, transmitem toda a história desta empresa.
Quando os mais velhos acabaram de provar, enaltecer o vinho, comprar algumas garrafas e agradecer a oportunidade da visita, arrancámos em direcção às Caldas da Felgueira.
Eram quase horas de jantar e, nessa noite, no Posto de Turismo tínhamos uma exposição de aguarelas para visitar.

BIBLIOGRAFIA

- Correia, Alberto, Roteiro Turístico do Distrito de Viseu, 1981
- Eusébio, Fátima e Marques, Jorge, Arqueologia e Arte no Concelho de Nelas, 2005
- Folheto promocional Quinta da Lagoa
- Folheto promocional Vinícola de Nelas
- Saraiva, José Hermano, História de Portugal, 1983
- Loureiro, José Pinto, Concelho de Nelas, 1988
- Marques, Jorge Adolfo de Meneses, Sepulturas Escavadas na Rocha na Região de Viseu, 2000
- Marques, Jorge Adolfo de Meneses, Actas do 3º Congresso de Arqueologia Peninsular, 2001
- Leal, Pinho, Portugal Antigo e Moderno
- Folheto promocional Quinta da Lagoa
- Revista Municipal de Nelas, nº 5, Julho de 2001
- Revista Municipal de Nelas, nº 6, Agosto de 2002
- Roteiro Arqueológico da Região de Turismo Dão Lafões, 1994
- Espírito Santo, Sérgio, Senhorim Memórias Que o Tempo Não Apagou, 2001
- Site de Carvalhal Redondo
(Publicado em 2007)

domingo, 1 de abril de 2012

UMA VOLTA PELO CONCELHO (5.e 6.)


5. CALDAS DA FELGUEIRA

Não foi difícil convencermos os nossos familiares a irem comer o porco no espeto. Fomos todos. Isto quer dizer que marcamos mesa para cerca de trinta pessoas.
São oito da manhã. O Padre Nuno viera rezar missa à Capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso e tínhamos combinado ir todos assistir à missa e visitar esta capela que, apesar de estar a necessitar urgentemente de obras interiores é o orgulho da população local.
- De que época é? - perguntei
- Do século XIX - respondeu o Tiago. - Reparem, aqui por cima da porta.
No lintel pode ler-se: ESTA CAPELLA MANDOU FAZER À SUA CUSTA O PADRE JOZÉ IGNÁCIO DE OLIVEIRA ANNO DE 1818.
- E quem era este sacerdote?
- Como sabem, a partir dos finais do século XVIII as Caldas da Felgueira, então conhecidas por Caldas de Vale de Madeiros, começaram a ser procuradas devido à qualidade das águas termais. O Padre Inácio Oliveira desempenhou um papel importante no desenvolvimento da terra e, assim, resolveu fazer esta capela que, como vêem, está entre casas particulares, o que nos pode fazer pensar que era particular e só depois foi aberta ao público devoto.
- Esta cruz sobre a porta é muito perfeita - disse alguém.
- A capela toda é muito curiosa. Se repararem a sacristia está incrustada na habitação vizinha. E o altar e o tecto? Merecem ser restaurados…
Tínhamos deixado as bicicletas no jardim do Recanto da Ribeira e, após a missa, dirigimo-nos para lá onde o Sr. Jorge e a D.ª Rosa nos serviram um pequeno-almoço nas mesas sobre a Ribeira da Pantanha.
- É tão bom ouvir a água a correr – disse a Kika.
- Eu gosto de jantar aqui. Comer o arroz de pato feito pelo Sr. Jorge, ouvir a água a correr, subir às laranjeiras …
- E não se pode ir ao ribeiro?
- Pode. Vamos descer por aquelas escadas.
Descemos até ao ribeiro. Percorremos um pouco da margem direita e atravessamos para a margem esquerda. Daí fomos por um caminho, entre casas, e acabamos por regressar à estrada. Atravessámos a ponte e dirigimo-nos novamente para as bicicletas.
Arrancamos pela Rua Dr. Aurélio Gonçalves, passámos pelo ringue de patinagem e pelo Posto de Turismo e seguimos em direcção à ponte em pedra que liga o Concelho de Nelas ao Concelho de Oliveira do Hospital e o Distrito de Viseu ao Distrito de Coimbra.
Antes da ponte, à direita, junto a uma mesa e bancos de pedra estacionámos as bicicletas e aproximámo-nos de um belíssimo miradouro. Lá ao fundo a água do rio Mondego corria por baixo da ponte em direcção ao açude.
- Sabem quando foi feita esta ponte? - perguntou o Tiago.
- Por acaso sei. Estive ontem com o Senhor Armando Monteiro que me disse que foi no final do século XIX e que demorou cerca de quatro anos a fazer.
- Estás bem informado. Vamos agora entrar em propriedade privada mas estejam descansados que eu pedi ao Dr. Adriano.
- Então de quem é isto?
- Isto é propriedade do Grande Hotel que em Maio de 2007 foi adquirido pelo Balneário. Vamos visitar a pista de manutenção do Grande Hotel.
Parecia que tínhamos entrado noutro mundo. Uma pista com um piso extremamente bem tratado com placas indicativas e os pássaros a chilrear nas árvores frondosas que enchem aquele parque.
Caminhamos até uma pequena queda de água.
- Sabem de onde vem esta água? Da ribeira da Pantanha que vai desaguar ali, no Mondego.
Ao lado, uma banheira antiga que deve ter pertencido ao Balneário serve de manjedoura para os garranos que já vislumbráramos lá em cima, nos estábulos. Passámos por eles, espreitamos os campos de ténis e caminhamos, já fora do hotel, em direcção à Capela de Nossa Senhora de Fátima.
- Vou contar-vos uma estória desta capela -, diz a Kika.
- Tão recente e já tem história – respondi.
- A estória não tem a ver com a idade e foi o meu avô que ma contou. A capela foi mandada construir por um senhor de nome Marques, que era um grande industrial e que, dentre outras coisas, era proprietário do Grande Hotel da Felgueira e da Confeitaria Suíssa, no Rossio em Lisboa. Depois de construí-la, ofereceu-a à Diocese com a condição de que, se o povo não a preservasse, voltaria para a propriedade do Hotel.
Mais tarde o Hotel foi comprado por um senhor de nome Oliveira que, pediu uma licença para fazer um muro à volta da Capela. A Câmara, talvez por não saber do acordo assinado com a diocese, autorizou.
Na Felgueira tocou o sino a rebate, a população afluiu à capela, destruiu a vedação que começava a ser feita e ainda deixou um bilhete de aviso ao Senhor Oliveira ameaçando-o de que se tentasse novamente também seria destruído. E a capela aqui está. É do povo e para o povo e não foi vedada.
E agora, vamos buscar as bicicletas.
Caminhámos em direcção à ponte.
- Ainda temos tempo de ir ver as águas frias? Perguntou o Eurico
- O que é isso?
- É um sitio ali em baixo, junto ao rio e que o meu pai me mostrou. É num instante.
- Então vamos lá. Mas tem de ser rápido. São horas do almoço e o porco já deve estar quase pronto.
Descemos por uma rampa em direcção ao Rio Mondego e começamos a ver aquilo que pareciam ameias dum castelo.
- É um castelo?
- Não. Quando lá chegares vês o que é…
Ao fundo, sentimos que as águas do rio corriam em direcção ao açude e, à esquerda, um campo relvado, com várias árvores e bancos de jardim indicavam-nos um local que parecia paradisíaco. Dirigimo-nos para lá. Uma pequena casa em pedra com um gradeamento bem trabalhado numas janelas de matriz neo-árabe.
- Então explica…
- Este edifício é dos princípios românticos oitocentistas…
- Portanto, século XIX?
- Sim, chamam a isto Buvette. Há outra mais recente na entrada do Balneário, mas até aos anos 50 do século passado, havia aqui uma empregada das Termas que dava copos de água aos curistas.
- E agora?
- Até há pouco tempo esteve abandonada mas, a Junta de Freguesia e a Companhia das Águas recuperaram este espaço. Lá dentro, como vêem há uma nascente de água sulfurosa. É uma construção revivalista coroada com merlões piramidais recortados em escada.
- Vamos almoçar?
Começámos a correr até ás bicicletas e seguimos em grande pedalada para o Sr. Eugénio, onde a família já esperava por nós.
- E se hoje à tarde fossemos visitar o Grande Hotel? – perguntei.
- Depois deste almoço? Quero é ir dormir uma sesta - diz o André.
- E vais, mas podemos ir tomar café ao Hotel e depois ir descansar para a piscina…
- E ao lanche dar um mergulho - gritou entusiasmado o Eurico.
E assim foi. Acabámos de almoçar e dirigimo-nos a pé pelos jardins e parque das traseiras do Hotel e entrámos por uma porta semiaberta.
Percorremos o corredor, passando por uma placa que anunciava uma exposição de pintura de Helena Abreu e chegámos ao hall do Hotel. À nossa esquerda, na majestosa sala de jantar o chefe Pedro ajudava a arrumar e a preparar as mesas para o jantar. Iria haver Jantar Bufete com música ao vivo. À direita, as escadas para o primeiro andar e a porta que dá acesso ao salão, vendo-se ao fundo o balcão do bar, para onde nos dirigimos.
- De que ano é este Hotel? - perguntou o André.
- O Grande Hotel ficou completamente pronto em 1890. O edifício foi projectado pelo Arquitecto António Jorge Freire e, conforme se pode ver nesta fotografia aérea, tem a forma de um H…
- E ali é a piscina onde vamos tomar banho?
- Sim. Do lado do Hotel onde está a piscina era o casino…
- Casino? Tinha Casino? - perguntaram em uníssono.
- Tinha Casino, Teatro e Cinema. Na altura o Hotel chamava-se Grande Hotel Club das Caldas da Felgueira.
Voltámos a percorrer o salão e, virando à direita saímos pela porta de vidro que dá acesso ao parque frontal do Hotel, dirigindo-nos para o muro em pedra que dá para a piscina.
- Lá em baixo temos a piscina com prancha olímpica e o bar…
- Não imaginava que fosse assim…
- Como vêem tem uma arquitectura neoclássica, elegante e harmoniosa e está bem enquadrada num espaço generoso e paisagísticamente bem emoldurada.
Percorremos o espaço que nos separa das escadas para a piscina. Com muito respeito pelo espaço e pelos hóspedes que repousavam em redor da piscina dirigimo-nos, pelas traseiras do insuflado que serve para serviços de casamentos e outros banquetes, ao bar da piscina. Enquanto alguns se dirigiram para o balneário a fim de vestir os fatos de banho, outros foram directamente para a zona do bar onde há uma mesa de matraquilhos que fez a delícia de alguns.
- Zito. Que fazes aqui? – perguntei.
Zito é um colega de turma em Coimbra e que eu não imaginava encontrar por aqui.
- Estou cá com os meus pais.
- E que tens feito?
- Quase nada. Amanhã vou passar o dia a casa dos meus tios em Moreira mas, antes, vamos almoçar a Carvalhal Redondo. Queres vir connosco?






6. CARVALHAL REDONDO

Desci a rampa que me separava da entrada do Restaurante Valério. Abri a porta. O cheiro do refogado que vinha da cozinha, misturado com o aroma inconfundível dos enchidos Beirãos, recorda-me o quão bem se come e se petisca a meio da tarde neste pequeno restaurante da Felgueira.
- Bom dia.
- Bom dia. Estou à espera de um amigo e dos pais mas vou tomar um café.
- Quer aqui ou lá fora?
- Se não se importa vou lá para fora. Gosto muito de estar na vossa tenda.
Tinha acabado de me sentar quando chegaram o Zito, os pais do Zito e a irmã.
- Aqui está-se bem mas se queremos aproveitar a manhã é tomar café e andar, diz a D.ª Noémia, mãe do Zito.
E assim foi. Arrancámos para Nelas. Aí, circundámos a Fonte Luminosa, passámos pelas bombas de gasolina e, no S. Miguel, mais conhecido pela Mata das Alminhas, cortámos á direita. Alguns jovens, aproveitando as primeiras horas da manhã jogavam ténis nos courts aí instalados. Atravessámos a circular externa e seguimos por uma estrada municipal em direcção a Carvalhal Redondo.
Já dentro de Carvalhal, cortámos para o interior, passámos pelo Cruzeiro, talvez o mais elaborado do Concelho e que tem a particularidade de enquadrar um nicho para albergar uma escultura. Ruelas empedradas e estreitas constituem o interior da freguesia, emolduradas por casas antigas de granito.
Parámos no largo da feira e dirigimo-nos para a capela da Senhora do Viso.
- Esta capela pertence à Irmandade de Nossa Senhora do Viso mas nada tem a ver com a Irmandade e Santuário com o mesmo nome que existe em Senhorim - disse eu – recordando a visita que há bem pouco tempo tinha feito a essa freguesia.
- De que século é esta Capela? - perguntou Zito Fernandes
- Antes de vir para cá estive a ler uma brochura que dizia ser do século XVII mas, poderá ser mais antiga - respondeu Anita, irmã do Zito.
- Sobre isso, li uma história interessante - recordou o Sr. Fernandes.
- Uma estória?
- Bem. Não é uma estória. Digamos que é mesmo História. Em 1755, aquando do terramoto, apesar de estar longe de Lisboa, a capela ficou bastante danificada pelo que teve de ser reconstruída ficando pronta em 1762. Aquela torre do lado esquerdo é muito mais moderna.
- Pois a mim contaram-me mesmo uma estória, melhor uma brincadeira que os mais velhos não gostaram mas que eu acho que deve ter tido graça - disse eu.
- Conta -gritaram a Anita e o Zito.
- De noite um grupo de rapazes roubou um burro e colocou-o junto da torre. Amarraram-lhe uma corda ao pescoço e, a outra ponta, ao sino. Colocaram um fardo de palha no chão. Então, sempre que o burro baixava a cabeça para comer, o sino tocava e esteve assim toda a noite.
- Bem, parece uma brincadeira de mau gosto mas até em graça.
Avançámos para a entrada da capela. Mal entrámos, deparámos com um coro sustentado por colunas toscanas. Abóbadas de berço pintadas cobrem o corpo da capela e a capela-mor. Na parede esquerda encontra-se o púlpito. Mais adiante uma espécie de pequena capela possui uma imagem de roca de Cristo Crucificada e Nossa Senhora das Dores. Olhamos para os três altares que são dignos de serem visitados.
- Qual é o estilo destes altares? - perguntou Anita.
- Isso eu sei – respondi. - Estilo Rococó e foram executados por volta de 1779. A imagem da padroeira é esculpida em pedra de Ançã e representa a Virgem com o menino ao colo a brincar com um ramo de flores e é do século XV/XVI.
Visitámos o resto da Capela onde as imagens recentes de Nossa Senhora de Lourdes e de Nossa Senhora dos Navegantes se misturam com imagens em madeira do século XVIII de S José e de S. Joaquim.
Regressámos ao carro, dando por bem empregue o tempo que passamos nesta capela.
- E agora? - perguntou o Sr. Fernandes.
- Ali em frente é a Junta de Freguesia, o Posto Médico e a Associação Recreativa e cultural “Os Carvalhenses”
- Associação Cultural?
- Sim. No Concelho há Associações em todas as Freguesias. Em Carvalhal até existe a Sociedade Musical Stº António que tem uma banda de muito boa qualidade - informei eu. - Agora podemos ir a pé pela Rua do Futuro e vamos visitar a Igreja e a Casa do Torreão.
Dirigimo-nos primeiro à Rua da Fonte. Lá ao fundo, avistámos a casa do Torreão. Uma enorme casa com dois andares com uma elegante escadaria em pedra do lado esquerdo da ala principal leva-nos ao primeiro piso. Por cima, oito janelas completam a frontaria da casa. No telhado, o Torreão que dá o nome à casa.
- Esta casa é particular? - perguntou D. Noémia
- Acho que sim. Sei que foi vendida. Vi isso no site de Carvalhal Redondo. Diz lá que o neto do antigo dono não tinha dinheiro para manter a casa e que a vendeu a alguém que está a pensar investir na área do turismo – respondi.
- E olha! Uma pousada nesta casa ficava espectacular - comentou o pai do Zito.
Seguimos para a Rua da Igreja. O orago da Freguesia é S. João. Daí que, a Igreja Paroquial se chame de S. João Evangelista.
- De que época é? - questiona Anita.
- As informações são poucas mas pensa-se que será dos finais do período medieval. Sabem, durante estes anos sofreu muitas modificações…
- Acho piada aos dois sinos…
- Há várias com mais do que um sino, por exemplo a que vamos visitar de tarde a Moreira mas, realmente, a estética destes é diferente.
- Vale a pena ir lá dentro?
- Vale sempre a pena.
O interior tem o corpo e a capela-mor com coberturas de madeira. Na parede do lado direito encontramos as imagens de Santo António e S. Sebastião. Na capela-mor, extremamente simples, vemos na parede ao fundo Cristo crucificado, ladeado por Nossa Senhora e S. João Evangelista.
Saímos da Igreja. Dirigimo-nos a pé para o largo da feira onde tínhamos deixado o carro. Já debaixo das árvores, um grupo de ciclistas preparava-se para arrancar em direcção à Associação.
- Também há cá ciclismo? - Perguntou o Zito.
- Cicloturismo. Estão ligados à Associação e fazem muitos passeios. O grupo “Aventura 100 Atalhos” também fazem caminhadas. Ainda há pouco tempo os meus primos foram com eles a uma caminhada no Tua…
- Só de falar em caminhadas e ver bicicletas, já estou com apetite. Vamos ter com os teus tios ao restaurante…
Entrámos no carro e dirigimo-nos para a entrada de Carvalhal. Estacionámos o carro junto ao solar. Em frente estava o Restaurante-Hospedaria Sr.ª do Viso.
Um cabrito assado com batata no forno de lenha, à moda beirã e torresmos na púcara com feijão cozido em panela de ferro esperavam por nós. Fomos para a mesa, onde os mais velhos acompanharam uma bola de vinho de alhos ainda quente, como não podia deixar de ser, com Vinho do Dão. Excelente como sempre. Vale a pena vir almoçar ao Viso.
- Querem vir ver os jardins? - Perguntei à Anita e ao Zito.
Tínhamos acabado de almoçar e enquanto os pais e os tios tomavam café, descemos até às traseiras e fomos ver o local onde se realizam os casamentos. Um sistema de água percorrendo todo o jardim com quedas de àgua e repuxos mantiveram-nos entusiasmados e entretidos e curiosos até sermos chamados para ir em direcção a Moreira.
(Publicado em 2007)

UMA VOLTA PELO CONCELHO (3. e 4.)


3. LAPA DO LOBO

Levantei-me bastante cedo porque, antes de partir para casa do Zé Tó, prometi ao André ir ter com ele aos Moinhos Novos onde, na companhia do pai, estava a pescar desde as sete da manhã.
Meia dúzia de peixes saltitavam dentro de um balde com água.
- Então, que tal? - perguntei.
- Está a picar - respondeu o pai do André. - Estás com pressa para ir para a Lapa?
- Não. Só queria que me mostrasse uma coisa em Vale de Madeiros.
- Queres ir aos queijos?
Engoli em seco. A referência à Quinta da Lagoa tem em mim, esse efeito. Maurice d`Ombiaux dizia que “da mesma maneira que o vinho, o queijo nunca é igual a si próprio: é tão caprichoso como o amor”. Só que o Queijo da Serra da Quinta da Lagoa também nunca é igual. Quem vai a Vale de Madeiros tem de parar lá para apreciar um queijo feito com alma. Não consigo passar o Verão sem lá ir várias vezes. Mas, hoje, não é o caso….
- Naa… Gostava de saber onde era o convento - disse.
- Isso é no Poço do Convento. Já não há lá nada mas posso contar-vos a história. Penso que também nunca falei disso ao André – comentou, enquanto lançava o anzol para o meio do Mondego.
O pai do André começou a arrumar todos os apetrechos, incluindo o último peixe que entretanto tinha sido atraído.
Depois de percorrermos o íngreme caminho que nos separava da estrada entrámos para o Todo-o-Terreno de caixa aberta e arrancámos para Vale de Madeiros.
- Pois, como eu vos disse, já não existe nada que nos referencie o Convento…
- Mas, existiu ou é uma lenda? - perguntei ao pai do André.
- Existiu. Há documentos que o comprovam.
- E em que século?
- Fins do século XIV, princípios do século XV. Os documentos que existem têm mais a ver com os escândalos que rodearam um conflito entre o rei D. João III e D.ª Filipa de Eça, abadessa do Mosteiro do Lorvão.
- Então era um mosteiro de freiras? – perguntei.
- Há quem considere que o mais provável é ter sido dúplice. Freiras da família de D. Fernando de Eça que teve 42 filhos e filhas, entre legítimos e bastardos e que seria neto de D. Pedro I e de D. Inês de Castro; padres, por parte dos irmãos de D. João Gomes de Abreu que foi Bispo de Viseu…
- Mas então…
- Não faças mais perguntas. Vale a pena saber algo sobre a luta que houve entre o Estado e a Igreja e para isso aconselho-te a ler uma publicação da Câmara de Nelas de José Pinto Loureiro sobre este Concelho.
- E então quando foi destruído o convento?
- Segundo documentos existentes foi o Cardeal Rei que, em 1560, extinguiu o Mosteiro de S. João de Vale de Madeiros e aplicou as suas rendas e encargos ao Mosteiro de Masseiradão.
O pai do André abranda o carro e diz:
- É ali. Onde está a capela de S. João Baptista que foi remodelada e substituiu o último vestígio do Convento Cisterciense.
- Não pares, diz o André para o pai.
- Paro, paro. Já que aqui estou quero mostrar-vos algumas coisas.
- Por exemplo? – perguntei.
Já fora do carro, caminhámos em direcção a uma capela.
- Esta capela chama-se de S. Nicolau. Vamos aqui pelo lado direito ver a porta lateral. Estão a ver a data?
- Sim, 1762...
- Pensa-se que esta data corresponde a obras efectuadas sendo a capela mais antiga. Vou mostrar-vos o S. Nicolau.
Entrámos na capela. No pequeno retábulo, que denuncia a sua origem no Barroco nacional, vê-se a imagem de Santa Luzia, de um Bispo nas ilhargas e ao centro a imagem de S. Nicolau.
- De que século é? – pergunto.
- Século XV ou XVI. Já por várias vezes foi pintado mas nota-se que é uma escultura de calcário policromado e apresenta um tratamento de grande rigidez…
- E então, o S. João Baptista?
- Esse é em pedra de Ançã e está na capela que vos indiquei…
- Vamos lá?
Caminhámos em direcção ao local onde supostamente existiu o convento e deparámos com a capela de S. João Baptista.
- Deve ter sido construída no final do século XVI, depois de 1560. O mais interessante é esta cruz pátea que remata a fachada e que deve ter pertencido ao convento.
Voltámos ao carro e arrancámos em direcção à Lapa do Lobo. Á passagem por cima da ponte do IC12 já se vislumbrava a recta em paralelepípedo de onde nos iríamos desviar para entrar no meio do povoado e pararmos à porta do Zé Tó.
Despedimo-nos do pai do André e dirigimo-nos para o portão do quintal onde o nosso amigo ajudava o pai a lavar uns garrafões.
- Precisam de ajuda? – perguntei.
- Não, só estava à vossa espera para irmos dar uma volta. Vamos ao Fundo do Povo. Quero mostrar-vos o que temos de mais importante – diz-nos Zé Tó.
- Temos de levar o nosso amigo à Capela de Santa Catarina. Ele gosta dessas coisas - diz o André.
- E vamos, fica a caminho. Ali em frente fica a Casa de Santiago e, ali, o Solar dos Pinas.
- São muito antigos? – perguntei.
- Não. São casas solarengas do século XIX que se encontram bem conservadas. Aliás, o Solar dos Pinas funciona como Turismo de Habitação.
- E esta capela aqui atrás?
- Exactamente. Essa é que é a Capela de Santa Catarina.
- O que tem de especial?
Entrámos pela porta que estava entreaberta e, no lusco-fusco, apercebi-me que tínhamos entrado noutro mundo em que a temperatura mais amena e o cheiro a cera queimada convidavam à meditação.
Caminhámos em direcção ao altar e parámos para apreciar o retábulo.
- As duas imagens que estão a ver são do Século XVI e representam São Sebastião e Santa Catarina.
- São de pedra?
- Sim, pedra de Ançã. A imagem de S. Sebastião está desproporcionada. A cabeça assenta directamente no tronco e o que sobressai da imagem são as setas e as feridas.
- Gosto mais da Santa Catarina.
- De facto, o seu tratamento plástico é mais bem conseguido. Mas, venham atrás de mim. Quero mostrar-vos outra coisa.
Entrámos na porta da sacristia e o Zé Tó dirigiu-se para um estandarte em tela pintada com moldura de madeira em que, de um dos lados está pintado o S. Sebastião e, do outro lado, a Santa Catarina com a roda do martírio e uma espada na mão espetada na cabeça do Imperador Maximino.
- Como vêem, as pinturas e as imagens são semelhantes - diz o Zé Tó.
Saímos respeitosamente da capela, voltando ao calor tórrido do Verão e, colocando-se na nossa frente, o Zé Tó disse:
- Tenho uma proposta a fazer.
- Atira…
- Tenho de ir a casa da minha tia a Canas. Há duas hipóteses: ou vamos à boleia ou vamos a pé.
Depois, vocês apanham o comboio para Nelas.
- Vamos a pé - responde rápido o André.
- Eu também acho. E essa de ir de Canas a Nelas de comboio, agrada-me.
Caminhámos em direcção à Estrada Nacional, passámos a Escola Primária e seguimos a longa recta que nos leva ao cruzamento com a estrada para Nelas ou para o IC12.
Após termos passado por um restaurante de camionistas, cortamos pelas traseiras de uma casa e caminhamos até à Estação de Canas de Senhorim.
- Nunca tinha vindo por aqui - disse eu.
- Pois então nunca viste ao perto aquilo que foi a primeira indústria electroquímica do País…
- Como assim?
- Espera, ainda não acabei. A Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos foi pioneira na indústria electrometalúrgica, com dimensão internacional. O meu avô trabalhou aqui.
- Isto agora parece uma cidade fantasma. Dava para fazer filmes do velho Oeste…
- Infelizmente. Em 1976, já na fase do declínio, chegou a ter 650 trabalhadores….
- Estás a ver aquele ramal que sai da linha principal para este cais? Foi feito em 1919 para que os comboios de mercadorias pudessem entrar dentro da fábrica.
- Então em que ano começou esta fábrica?
- A Companhia foi constituída em 11 de Dezembro de 1917 e em 1924 estava pronta a produzir.
- Mas, o que é que ela produzia?
- A resposta não é assim tão fácil. Primeiro tenho de explicar porque é que a Companhia surge nesta zona.
Quando em 1912 o Governo autorizou o “reprezamento e utilização das água pluviais e fluviais” na Lagoa Comprida, na Serra da Estrela, com o fim de produzir energia sem condicionamentos, Portugal, onde a maioria dos lares e das aldeias não utilizavam energia eléctrica, ficou com um excesso de energia eléctrica.
Aí, surge a Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos. Era necessário dar aproveitamento ao excesso de energia e então, procurou-se um local próximo da fonte energética e com bons acessos rodoviários e ferroviários.
- E porquê aqui?
- Esta região, para além de ter muita força politica (pela positiva e pela negativa) junto do Terreiro do Paço também reunia as condições que referi. Primeiro pensou-se em Nelas mas, as facilidades na aquisição dos terrenos aqui na Encosa foram um factor decisivo.
- Mas foi preciso trazer a electricidade…
- Em 1920 a Hidroeléctrica da Serra da Estrela pediu autorização para atravessar com as linhas de alta tensão até à Companhia.
- E então que começaram eles a produzir? - insistiu André.
- Primeiro foi o carbonato de cálcio mas, a Companhia, nunca perdeu de vista a possibilidade dos três fornos eléctricos e a oficina de serralharia serem usados para outras produções.
- Quais?
- A partir de 1946 o fabrico de ferro gusa. Nos anos 50 foram construídos 96 fornos para o fabrico de cianamida cálcica, depois carbonato e cal e, mais tarde, uma fábrica de azoto.
- Mas então, de metalurgia foi só o ferro gusa?
- Não. Nos anos 60 começaram a fabricar e exportar o ferro-liga e o ferro-silício. Nos anos 70 começaram a produzir silício-metal.
- Mas então como é que isto acabou?
- Se se lembram eu disse que a Companhia surgiu quando havia excesso de energia. O aumento do consumo de electricidade a partir da segunda metade dos anos 60 levou a que a situação se invertesse, isto é, passamos a ser importadores de petróleo e carvão. O aumento dos custos da electricidade associado ao aumento dos salários a partir do 25 de Abril levou a que a Companhia entrasse em declínio…
- Vem aí o comboio - gritou o André.
Lá longe um comboio metalizado com 5 ou 6 carruagens preparava-se para parar, não para nos levar até à Guarda mas, tão-somente, para nos deixar na estação seguinte, em Nelas.
O comboio arrancou, deixando para traz a estação de Canas de Senhorim e os seus majestosos painéis de azulejos que representam ícones do Concelho. Datam de 1941, assinados por L. Pinto e fabricados pela fábrica do Outeiro de Águeda. Neles estão representados o Hotel da Urgeiriça e o Grande Hotel das Caldas da Felgueira.
Passámos pelo Bar da Estação onde o Sr. Luís, sempre amável, nos cumprimentou. Subimos a Rua da Estação, à esquerda, e dirigimo-nos para o Altus Bar para tomar qualquer coisa fresca e para decidirmos como iríamos regressar à Felgueira. Se tivéssemos de ir à boleia, arriscávamo-nos a chegar tarde para o jantar.
Simpáticos como sempre, a Dª. Minita e o Sr. Gaspar serviram-nos um delicioso gelado que saboreámos enquanto esperávamos pela Francisca e pelo pai que nos haveria de levar até à Felgueira.
No Mercedes do Zeca, como é amistosamente conhecido, rapidamente chegámos à porta da Pensão Moderna onde, sempre a correr, o Sr. Pires e sua filha Isabel trocavam algumas palavras.
- Querem ir ao Aparthotel jogar cartas ou snooker? Estão lá muitos jovens da vossa idade - desafiou a D. Isabel.
Aceitámos o convite e entrámos no Hotel Pantanha com a D.ª Isabel e a Francisca.
- Olhem quem cá está!!! - disse eu, dirigindo-me de braços abertos para o Adérito.
- Vou cá estar com os meus avós 15 dias. Temos de dar uns passeios.
- Vamos a isso.
Entrámos no bar do Hotel e, desde logo, apreciei o bom gosto, os pormenores da decoração e o ambiente de calma. Conheço bem este espaço, pois já dormi num dos 50 apartamentos e, outra vez, numa das suites. Também já almocei e jantei várias vezes no Restaurante “Moderna”, espaço com tradição e, principalmente, com uma cozinha beirã de “se lhe tirar o chapéu”.
- Então, que vamos fazer amanhã? - pergunta o Adérito, enquanto distribui as cartas três a três para jogarmos uma canasta.
- Da nossa idade, quantos estão cá? – perguntei.
- Uns 6.
No meio da tradicional sineta que há décadas serve para alertar os hóspedes para a abertura da sala de jantar, respondi:
- Comigo e com o André, faz 8. E se fossemos de bicicleta até Senhorim?

4. SENHORIM

“Não há problemas. Estejam aqui às nove horas que eu ofereço o pequeno-almoço”.
Sempre pronto para colaborar, o Senhor Eugénio tinha na véspera garantido o transporte das bicicletas até ao Folhadal. E, de facto, quando às nove horas aparecemos na Pensão Mondego tínhamos uma mesa debaixo da parreira, o que me permitiu pensar que o nosso passeio iria correr maravilhosamente bem.
De barriga cheia, carregámos as bicicletas para as duas carrinhas estacionadas junto à palmeira do parque da Pensão Mondego.
- Vamos. Rápido, que eu tenho muito que fazer! Ainda tenho de preparar um porco para o espeto de amanhã - gritou o Senhor Eugénio.
Da Felgueira ao cemitério do Folhadal foi um saltinho e, já todos em cima das bicicletas preparámo-nos para partirmos rumo às Terras de Senhorim.
- E não se esqueçam. Digam à vossa família para amanhã irem à Pensão comer o porco no espeto. Para vocês é de graça, para compensar do esforço da pedalada – disse o Senhor Eugénio já com a carrinha em movimento.
- Obrigado – gritamos em uníssono.
Arrancámos em direcção a Nelas a pensarmos como é que iríamos convencer os nossos pais e avós a irem comer o melhor porco no espeto da região. Quando lhes disséssemos onde seria talvez não fosse difícil.
Rapidamente passámos pelo Lar da 3ª Idade e aproximámo-nos do Restaurante Dom Churrascão. Vencida a subida até à rotunda da Fonte Luminosa virámos à direita para a Rua Luís de Camões, passámos as “Quatro Esquinas”. Depois da Quinta do Pomar fizemos a curva deixando à nossa direita a casa da família Dargent, para mim uma das casas mais bonitas de Nelas. Pedalamos na pequena subida que nos iria levar ao cruzamento para Senhorim onde parámos para comprarmos pão para o almoço na Nova Padaria de Nelas.
Para a esquerda deixamos as chaminés das fábricas da zona industrial que tão importantes são para a economia do Concelho e na primeira rotunda cortámos para a direita, seguindo na antiga estrada até à Portela, parando junto a uma capela com aspecto de ter sido recuperada há bem pouco tempo.
-Esta é que é a capela de S. José? - perguntamos a uma senhora que passava.
- Não, senhora. Esta é a nossa capela. De Stº António. A de S.José é ali em baixo
Arrancámos até ao lugar indicado, depois de agradecermos a informação, estacionando lá as nossas bicicletas.
- Está fechada, disse o André enquanto tentava abrir a porta.
- Queriam visitar a capela? - pergunta um senhor de idade.
- Foi com essa intenção que cá viemos. E também queremos ver a Casa dos Senas.
- As ruínas dessa casa são ali mais abaixo e podem ir vê-las. A capela, infelizmente não a podem ver porque a minha irmã é que tem a chave e hoje foi ao médico…
- E é bonita? - perguntou o Henrique
- Se é bonita? Se vocês vissem o S. José diziam-me se é bonito. Uma autêntica relíquia do século XVII. Toda em pedra de Ançã.
- E só tem essa?
- Não. Também há uma imagem da Trindade. E a Capela é simples mas muito bonita. Vêem esta data? É de 1624. Vejam ali. Que é que diz? CHRISTOWÃO PAIZ A MADOU FAZER – 1624 Infelizmente não posso andar muito senão ia convosco à casa. Sabem, apesar de estar afastada esta era a Capela privativa da Casa dos Senas.
Percorremos a pequena distância que nos separava das ruínas da casa.
O portal principal tem duas colunas toscanas de fuste canelado que sustentam uma cornija muito saliente. Entramos. Só a escadaria em granito subsiste daquilo que deve ter sido uma casa que não deve ter sido desenhada por um arquitecto qualquer. Provavelmente por um dos melhores técnicos seiscentista.
O Solar dos Senas tem um outro corpo menos imponente e que já não tem a mesma relevância arquitectónica. Saímos desiludidos e tristes por ver um património daqueles completamente abandonado mas, já na rua ainda podemos olhar para as quatro janelas de sacada e as bases graníticas dos varandins assentes em mísulas estriadas e, na parte inferior, os óculos emoldurados com formato quadrifólio
Voltámos às nossas bicicletas e, circulando à volta da Capela de Stº António, seguimos em direcção à Vila.
Junto a uns degraus em pedra a que se segue um portão em ferro fomos estacionando as bicicletas e subindo os degraus. Estamos na Capela da Sr.ª do Viso.
Uma olaia que se encontra do lado direito foi o nosso primeiro abrigo para puxarmos das nossas garrafas e refrescarmo-nos do calor que já se faz sentir.
- A Irmandade de Nossa Senhora do Viso existe desde 1619. Sabem quem era venerado antes? - perguntou o Henrique.
- Não …
- A Nossa Senhora da Expectação ou …a Senhora do Ó.
- Como sabes? - inquiri.
- Li antes de vir para cá e também sei que o Papa Benedito XIV, em 1754, concedeu um privilégio de indulgência perpétuo aos Irmãos da Irmandade.
- Também quero ser Irmão.
- Tu não podes. És um pecador e um guloso. Ora dá cá um bocado dessa tarte de framboesa…
- E se fossemos lá em cima à Quinta do Lila? - perguntei
- Nem penses. Já viste aquela subida? - respondeu o André.
- E que é que lá há? – perguntou a Carolina.
- Em boa verdade só a casa da farmácia é que ainda se mantém.
- Há lá uma farmácia?
- Não. Houve aquilo a que os antigos chamavam botica. Aliás, antigamente, chamavam aquele lugar a Quinta do Boticário.
- Então, e se para pouparmos energias, fossemos antes ao Castelo e depois déssemos um mergulho na Quinta dos Moinhos?
- Boa ideia. Vamos para o Castelo.
Pedalámos em direcção a um pequeno esporão na margem esquerda do Rio Castelo até ao local onde existiu uma fortificação de área muito reduzida.
Encontrámos grandes blocos em granito, alguns com “almofadada”, que faziam parte das muralhas.
- Vou procurar vestígios - disse Francisca.
- Quando é que alguém se lembrou de fazer um castelo aqui? - perguntou o Tiago.
- A referência mais antiga ao castelo é do ano de 1100, mas não nos podemos esquecer que Fernando Magno conduziu a Campanha das Beiras a partir de 1037 e reorganizou o território conquistado em territórios bem mais pequenos, designados por TERRAS – respondi.
- Então isto é mais antigo do que Portugal?
- Exactamente. D. Afonso Henriques só foi proclamado Rei de Portugal em 1143.
- Então a designação de Terras de Senhorim também se deve a Fernando Magno?
- Tem lógica, não tem? - respondi.
Mais a baixo, a Quinta dos Moinhos e o Rio Castelo esperam por nós…
- Sabem o que é aquilo?
- Não!
- Uma mini-hídrica. Penso que acabou de ser construída em 2000 ou 2001 e produz qualquer coisa como 2,4 milhões kWh/ano.
- E é aqui que vamos tomar banho?
- Não. Vamos ali para a zona dos antigos moinhos. É mais seguro.
Durante mais de uma hora brincamos entre a água e as rochas do ribeiro procurando aproveitar ao máximo a transparência e a qualidade da água, retemperando forças para o resto do passeio. A viagem de pesquisa e de regresso ainda iria ser demorada.
Arrancámos em direcção ao lugar da Igreja onde, agora refrescados, rapidamente chegámos. No largo da Igreja encontrava-se o Padre Raimundo, africano que se radicou nesta Freguesia e que é bem conhecido pela sua simpatia, simplicidade e vontade de ajudar.
- Então jovens, o que é que vos trás por cá?
- Viemos visitá-lo, Senhor Padre. No fim de contas eu fiz cá a catequese - disse Eurico, o mais pequeno do grupo.
- O Eurico está a brincar. A verdade é que gostamos sempre de o ver mas, desta vez, viemos passear, ver monumentos, paisagens…
- Então, vamos começar pela minha Igreja - disse o Padre Raimundo convidando-nos a segui-lo pela porta do lado direito.
Para trás ficou o adro da igreja onde se nota ainda que era o antigo cemitério e a casa paroquial com uma inscrição na parede indicando o ano de 1761.
- Esta é a Igreja mais antiga de Senhorim? – perguntei.
- Esta não, mas antes desta data deve ter havido uma Igreja, que já é referida nas inquirições de 1258. Chamava-se de Santa Maria de Senhorim…
- E não há vestígios?
- Penso que sim. Por exemplo as colunas junto à fachada devem ter pertencido ao edifício medieval. As duas pias que estão no adro da Igreja também devem ser dessa época. As alterações mais profundas devem ter sido feitas nos séculos XVIII e XIX.
- E as imagens são desse tempo?
- A nossa padroeira, Nossa Senhora da Assunção, ali ao centro, é uma escultura em Pedra de Ançã do século XIV, provavelmente das oficinas de Coimbra. As outras imagens são dos séculos XVII e XVIII. Já que aqui estão vou mostrar-vos o chafariz…
- Pode-se beber?
- Claro que sim. E agora vamos ver a estela discóide que também se encontra aqui no adro. Este monólito foi colocado na cabeceira de um túmulo e está referenciada como sendo do século XI ou XII.
- Queremos agradecer esta lição…
- Ainda não acabou. Vou convosco até à Várzea.
-.O que é isso? - perguntou o Eurico.
- Quando lá chegarem, verão…
Enquanto alguns voltavam ao chafariz para se refrescarem, outros começaram a caminhar ao lado do sacerdote em direcção à Várzea.
- Eu sei que vocês não foram à Cagunça, onde estão seis das onze sepulturas referenciadas na Freguesia mas, como veremos, na Várzea há….
- E já agora: onde são as outras? - perguntou o André, interrompendo o Padre Raimundo.
- No Vale Covo, nas Carvalhas e no Adueiro.
- Como eu ia dizendo, a particularidade das sepulturas da Cagunça é que, uma delas é de criança.
Chegámos. Aqui na Várzea, como estão a ver são as três de adultos, estas duas antropomórficas com cabeceira trapezoidal e ovalada.
Regressámos às bicicletas, e despedindo-nos do Padre Raimundo dirigimo-nos para a estrada principal em direcção às Carvalhas.
Para trás deixámos a Fonte do Alcaide, lugar que, como o nome indica, sugere que esta zona terá tido um Alcaide sobre quem não há documentação.
Durante o percurso divisámos um grande número de carvalhos de avantajado porte e, pouco depois, chegamos a uma parte estreita da estrada onde, após uma curva, deparamos com uma capela que, na sua frontaria tem uma placa a dizer Carvalhas e que, por cima do portal tem um nicho com uma imagem.
- Que imagem é aquela? - perguntou Tiago.
- A essa sei eu responder – brinquei. - Não se sabe se é de São Geraldo ou São Silvestre.
De facto, apesar da capela dar pelo nome de S. Silvestre e ser um dos principais exemplares do Rococó tinha, em 1658, como orago, o Bispo S. Geraldo e, as duas imagens que se encontram no altar são muito semelhantes
- Agora, não temos tempo, mas quando cá voltarem vejam a pintura do S. Silvestre que está na parede lateral. É uma representação de cariz popular com grande simplicidade - informou o Tiago, que é o elemento do grupo que melhor conhece esta Freguesia.
Seguimos em direcção a Vila Ruiva pela EM 329-.2, passámos um cruzamento que dá acesso a S. João do Monte, e pedalámos em direcção ao aglomerado populacional parando junto à igreja.
- Esta capela não é muito antiga, pois não? - perguntei ao Tiago.
- Não sei dizer. A capela de Nossa Senhora das Necessidades de Vila Ruiva tem uma fachada provavelmente construída no século XIX mas, aqui nesta parte, a cruz e os dois pináculos são diferentes dos da fachada o que me faz pensar que são de épocas diferentes.
- De qualquer modo… tem algo de…
- Eu sei o que queres dizer. Parece uma cópia.
- Como assim?
- Apercebemo-nos de que alguém apreendeu formas arquitectónicas, mas quem construiu não tinha grandes qualidades técnicas.
- Parabéns. Era isso mesmo que eu queria dizer.
Montados nas bicicletas arrancámos em direcção a S. João do Monte. Para a direita, em zona mais inóspita, fica a pedreira da Laje Gorda onde a Grafidel explora os granitos que ajudam a embelezar toda esta região.
Passámos por uma das cerca de vinte “Alminhas” distribuídas por todos os lugares de Senhorim e chegamos à Capela de S. João do Monte.
- Temos de ir ver esta capela. É diferente das restantes, disse.
- Porquê? - perguntaram todos em conjunto.
- Vamos entrar para ver. Em relação às outras capelas do Concelho o retábulo proto-barroco tem duas imagens em relevo. Aqui temos o Santo Antão e do lado da Epistola o S. José. Ao centro temos a imagem do S. João Baptista, imagem do século XVI, esculpida em pedra calcária. Esta imagem aqui no nicho é da mesma época e representa, como se depreende do hábito franciscano…
- … O S. Francisco.
- Exactamente. Bem, e agora é hora do regresso. A próxima paragem é na Póvoa de Luzianes.
Depois de termos deixado deslizar as bicicletas ao ritmo da descida parámos junto à Associação Desportiva onde algumas pessoas sentadas à porta se mostraram admiradas por ver tantos jovens de bicicleta.
- Boa tarde. Diz-me onde é a capela de Stº António?
- Sim, meninos - respondeu-nos um ancião com grande amabilidade. - É ali ao fundo.
- Obrigado - respondemos em coro
Percorremos o espaço que nos separava da capela, reparando nas videiras já bem desenvolvidas para a época do ano.
- Não sei onde é mas há por aqui uma Quinta de Luzianes que, dizem os apreciadores, tem um dos melhores vinhos do Dão, disse o André.
- Por acaso ainda ontem ouvi o meu tio a dizer que esta encosta é das melhores para a produção do Dão mas, eu disso não percebo nada – respondeu a Luísa.
A visita à capela foi rápida. O seu altar é enobrecido por estrutura retabular neoclássica mas entalhada por artistas com capacidades técnicas limitadas. De qualquer modo, uma bonita e agradável capela.
Saímos da capela e, vendo já alguns sentados no muro, perguntei:
- Alguém sabe de onde vem o nome Luzianes?
- Eu sei, diz o André. Trata-se de uma estória: Houve em Nelas três irmãs de nomes Maria, Luzia e Ana. Seus pais deixaram-lhes duas quintas: uma na margem do Mondego e outra que dava passagem para esta, muito menor que a primeira. Maria ficou com a menor onde construiu uma casa e viveu até morrer. As outras foram para a quinta do Mondego. Lá construíram casas e deram origem a uma povoação muito fértil com o nome de Luzia Ana.
- E agora, em direcção ao Mondego.
A tarde aproximava-se do fim. Da Póvoa de Luzianes até à EN 231 podemos dizer que” todos os santos ajudam”. Rapidamente chegámos ao cruzamento.
Para a esquerda fica a ponte que liga o Concelho de Nelas ao Concelho de Seia e simultaneamente o Distrito de Viseu ao Distrito da Guarda
Para a direita a estrada para Nelas que seguimos, sempre a subir, até chegar ao cruzamento que nos levará novamente às Caldas da Felgueira.
Virámos à esquerda e, paralelamente ao Rio Mondego pedalámos em direcção ao nosso ponto de chegada. De repente o André parou e perguntou:
- Importam-se de vir comigo à praia fluvial? O meu pai pode estar lá a pescar.
Descemos a estrada em terra e aproximamo-nos da praia fluvial.
O André aproximou-se da água onde vários pescadores se entretinham na pesca. O lençol de água tem agora pouco volume. Estamos em pleno Verão. Mas, o fim de tarde neste local é sempre agradável e tranquilo. Ouvem-se o chilreio dos pássaros e o coachar de algumas rãs.
- Podemos ir. O meu pai já cá não está.
Satisfeitos e nada cansados, apesar do bom esticão que demos hoje, avançámos em direcção à Felgueira na esperança de um bom banho e um fabuloso jantar.
- Hoje à noite temos cá o Senhor Sampaio e o Roberto com a Banda Juvenil da Câmara Municipal de Nelas.
Preciso de saber quantos vão almoçar amanhã à Pensão Mondego…
(Publicado em 2007)